terça-feira, abril 11, 2006

"...a paixão é voraz, o silêncio alimenta-se fixamente de mel envenenado.
E eu escrevo-te toda no cometa
que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce:
eu torço-a entre os braços.
E há roupas vivas, o imóvel relâmpago das frutas.
O incêndio atrás das noites corta pelo meio o abraço da nossa morte.
Os fulcros das caras um pouco loucas engolfadas,
entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões da madeira fria.
És uma faca cravada na minha vida secreta.
E como estrelas duplas consanguíneas,
luzimos de um para o outro nas trevas."

Herberto Helder